A propósito da limitação de mandatos

Quatro respostas à mentira<br> e à intoxicação ideológica

Jorge Cordeiro

A in­tensa ope­ração ide­o­ló­gica a pro­pó­sito da li­mi­tação de man­datos está in­ti­ma­mente as­so­ciada à cam­panha de des­cre­di­bi­li­zação da de­mo­cracia e à per­sis­tente acção para pro­curar des­viar e iludir os prin­ci­pais pro­blemas da vida po­lí­tica na­ci­onal.

A co­ber­tura me­diá­tica pelos prin­ci­pais ór­gãos da co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante, o ro­sário de co­men­ta­dores e po­li­tó­logos ao ser­viço da po­lí­tica de di­reita e do grande ca­pital, as li­nhas de in­to­xi­cação que vêm sendo cons­truídas re­velam estar-se pe­rante uma in­tensa e bem or­ga­ni­zada ope­ração. As­sente na cri­mi­na­li­zação da po­lí­tica e dos po­lí­ticos, ex­plo­rando pro­fu­sa­mente con­cep­ções po­pu­listas e fas­ci­zantes, ali­men­tando sus­pei­ções sobre o exer­cício de cargos pú­blicos na base da ge­ne­ra­li­zação de prá­ticas e com­por­ta­mentos, a cam­panha une ne­bu­losas as­so­ci­a­ções de ca­rácter fas­ci­zante a agendas po­pu­listas como as do Bloco de Es­querda que vêem no ataque à de­mo­cracia, uns, e na ge­ne­ra­li­zação da crí­tica aos «po­lí­ticos», ou­tros, um filão para os ob­jec­tivos es­pe­cí­ficos que pros­se­guem. Em muitos deles a mesma ob­ser­vação à margem da ob­ser­vação de classe do exer­cício do poder, pri­vi­le­gi­ando a na­tu­reza pes­soal no exer­cício dos cargos para ocultar os in­te­resses de classe que estão pre­sentes para lá dos in­di­ví­duos em si con­si­de­rados, fin­gindo com­pro­missos com a isenção ou trans­pa­rência mas es­con­dendo agendas obs­curas, am­bi­ções de poder, pro­jectos de am­pu­tação e cer­ce­a­mento de­mo­crá­tico.

No mar de fal­si­dades em que na­vega esta in­tensa ope­ração im­porta deixar rei­te­rada não apenas a po­sição de prin­cípio do PCP e as ra­zões que a sus­tentam como con­tri­buir para des­cons­truir o con­junto de equí­vocos, bo­ça­li­dades e men­tiras que di­a­ri­a­mente têm sido des­pe­jadas sobre o País.

 

1. Li­mi­tação de man­datos como factor de «mo­ra­li­zação» da po­lí­tica

A questão da li­mi­tação de man­datos dos pre­si­dentes de Câ­mara e de Junta de Fre­guesia, as­sunto re­cor­rente e grato aos que pro­curam iludir os pro­blemas cru­ciais da vida po­lí­tica e da na­tu­reza do poder, voltou de novo à ac­tu­a­li­dade.

Como sempre afir­mámos a sua con­sa­gração cons­titui de facto uma li­mi­tação de di­reitos po­lí­ticos que a co­berto de te­o­ri­za­ções sobre «o prin­cípio da re­no­vação re­pu­bli­cana dos man­datos», des­pidas de qual­quer fun­da­mento sério, vi­saram re­solver por via ad­mi­nis­tra­tiva o que por von­tade ex­pressa das po­pu­la­ções al­guns não al­can­çavam. Uma li­mi­tação im­posta a partir de ar­gu­mentos tão pouco sé­rios como o da in­vo­cação da dis­po­sição dos man­datos do Pre­si­dente da Re­pú­blica, es­ca­mo­te­ando que, ao con­trário deste, os pre­si­dentes de Câ­mara ou de Junta de Fre­guesia não só não são um órgão uni­pes­soal, como estão su­jeitos à fis­ca­li­zação do órgão co­le­gial a que per­tencem e a um aper­tado exer­cício de tu­tela pelos or­ga­nismos com com­pe­tência.

Vem a pro­pó­sito su­bli­nhar que o PCP foi a única força po­lí­tica que man­teve uma linha de co­e­rência nesta ma­téria. O PSD passou de en­tu­si­asta pro­po­nente da li­mi­tação no tempo da suas mai­o­rias ab­so­lutas com Ca­vaco Silva para po­ten­cial opo­sitor da sua ex­tensão aos pre­si­dentes dos go­vernos re­gi­o­nais. O PS, de claro opo­sitor nos tempos de Ca­vaco Silva para prin­cipal ani­mador da li­mi­tação nos tempos mais re­centes.


2. Li­mi­tação de man­datos e a não de­pen­dência de teias e in­te­resses eco­nó­micos

A dis­cussão que em torno deste pro­blema então se de­sen­volveu re­velou, com poucas nu­ances, que se pro­cu­rava po­la­rizar nesta questão – li­mi­tação de man­datos dos eleitos lo­cais – os ale­gados ví­cios do sis­tema po­lí­tico e as teias de in­te­resses eco­nó­micos que em muito os ul­tra­passam.

Acre­ditar nisso será iludir que, in­de­pen­den­te­mente do papel dos in­di­ví­duos em con­creto, o que de­ter­mina aquelas si­tu­a­ções é a na­tu­reza de classe e os in­te­resses eco­nó­micos que lhe estão as­so­ci­ados. É uma pura ilusão ad­mitir que a teia de in­te­resses e de­pen­dên­cias po­lí­ticas, eco­nó­micas e so­ciais não so­bre­vi­verá pela mão dos par­tidos que lhes dão ex­pressão. Convém re­cordar que no caso muito me­di­a­ti­zado à época – a gestão na au­tar­quia de Fel­gueiras – as ma­té­rias que es­ti­veram em in­ves­ti­gação cor­res­pon­diam ao pri­meiro man­dato da ac­tual pre­si­dente nessa con­dição e que a ex­pli­cação para a teia de ile­ga­li­dades e cor­rupção que en­volvem aquele caso ra­dicam na con­ti­nui­dade do res­pec­tivo par­tido (e dos in­te­resses de classe que pre­do­mi­nan­te­mente as­sume) à frente da au­tar­quia e não da per­pe­tu­ação do man­dato.

Não deixa de ser ca­ri­cato que os pro­mo­tores e ani­ma­dores da li­mi­tação de man­datos façam do poder local o bode ex­pi­a­tório e o de­po­si­tário de toda a sus­peição, vejam num pre­si­dente de Junta de Fre­guesia o centro onde se tece teias de de­pen­dên­cias po­lí­ticas, eco­nó­micas e so­ciais mas não vis­lum­brem a ne­ces­si­dade dessa li­mi­tação para um qual­quer mi­nistro que, como se sabe, cir­cula di­rec­ta­mente entre grupos eco­nó­micos e o con­selho de mi­nis­tros.

 

3. A pro­pa­lada con­tri­buição para a de­mo­cra­ti­zação do exer­cício do poder

Cada um dos mo­mentos em que se er­gueu ci­ni­ca­mente a ban­deira da li­mi­tação dos man­datos, como ele­mento es­sen­cial à «mo­ra­li­zação» do exer­cício dos cargos pú­blicos, foi acom­pa­nhado de pro­postas li­mi­ta­doras do sen­tido de­mo­crá­tico do fun­ci­o­na­mento do poder local, seja com a re­dução sig­ni­fi­ca­tiva dos po­deres das as­sem­bleias mu­ni­ci­pais seja pela pre­si­den­ci­a­li­zação do fun­ci­o­na­mento do órgão exe­cu­tivo e ine­rente pro­cesso de des­va­lo­ri­zação da co­le­gi­a­li­dade. Al­guns dos que de­fendem a li­mi­tação de man­datos por ale­gada margem de poder in­con­tro­lado dos pre­si­dentes de Câ­mara e Junta são os que em ma­téria de al­te­ração do sis­tema elei­toral para as au­tar­quias de­fendem so­lu­ções que lhes da­riam um ili­mi­tado poder pes­soal e uma quase nula pos­si­bi­li­dade de con­trolo de­mo­crá­tico das fun­ções dos pre­si­dentes das câ­maras. Estes e ou­tros que in­can­sa­vel­mente animam a cam­panha contra a po­lí­tica e os po­lí­ticos a pro­pó­sito da li­mi­tação dos man­datos au­tár­quicos são os mesmos que ig­noram e con­vivem com a per­pe­tu­ação do poder dos que che­fiam os grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros. São os mesmos que já to­leram a re­pe­tição de man­datos quando estão em causa os pre­si­dentes dos go­vernos re­gi­o­nais da Ma­deira ou dos Açores. E são até os mesmos que, apos­tados na per­pe­tu­ação dos in­te­resses eco­nó­micos que re­pre­sentam e querem ver sal­va­guar­dados, podem con­si­derar que a me­lhor forma é rodar caras para manter in­to­cá­veis esses mesmos in­te­resses.

 

4. A con­tro­vérsia sobre a in­ter­pre­tação da lei de li­mi­tação de man­datos

A ope­ração em curso co­nhece agora, com as in­ter­pre­ta­ções abu­sivas sobre a ale­gada ine­le­gi­bi­li­dade para a função de pre­si­dente de Câ­mara já não con­fi­nada à au­tar­quia onde exer­cera os man­datos an­te­ri­ores, novo alento. Tratar-se-ia já não de uma li­mi­tação ina­cei­tável de di­reitos po­lí­ticos que a Lei por si cons­titui mas sim de uma ex­pro­pri­ação plena desses mesmos di­reitos, uma vi­o­lação gros­seira do pre­ceito cons­ti­tu­ci­onal que as­se­gura a todos os ci­da­dãos o di­reito de acesso a cargos pú­blicos em con­di­ções de igual­dade e li­ber­dade.

An­co­rados na falta de «cla­reza» da le­gis­lação visam eles pró­prios ditar a sua pró­pria in­ter­pre­tação numa lei­tura ex­ten­siva vi­o­la­dora do prin­cípio da pro­por­ci­o­na­li­dade na sua apli­cação, indo para lá dos fins que visa as­se­gurar, subs­ti­tuindo-se ao le­gis­lador e vi­o­lando dis­po­si­ções cons­ti­tu­ci­o­nais. Sob a capa de actos de na­tu­reza ju­rí­dica visa-se so­bre­tudo ob­jec­tivos po­lí­ticos a que não será alheio o si­lêncio do PS que, afir­mando fal­sa­mente não ter can­di­datos abran­gidos, ig­nora que can­di­da­turas como o do ac­tual pre­si­dente de Beja não se­riam ele­gí­veis caso pre­va­le­cesse a ab­surda in­ter­pre­tação que al­guns sus­tentam (que após os dois man­datos exer­cidos em Mér­tola e o agora exer­cido em Beja es­taria im­pe­dido), ou as de­zenas de pre­si­dentes de Junta que ten­ciona can­di­datar à bo­leia das novas fre­gue­sias de­cor­rentes do pro­cesso de agre­gação e li­qui­dação das exis­tentes. Um pro­cesso as­sente na chi­cana po­lí­tica a pre­texto de actos ju­rí­dicos sem sen­tido, ba­seada em in­ten­ções de can­di­da­tura, pre­su­mindo an­te­ci­pa­da­mente o ve­re­dicto elei­toral (só em caso de ser ca­beça de lista da lista ven­ce­dora se ve­ri­fi­caria a ine­le­gi­bi­li­dade dado que não há im­pe­di­mento para novo man­dato na qua­li­dade de ve­re­ador), evi­den­ci­ando o ab­surdo de se poder con­ti­nuar a exercer na mesma au­tar­quia o man­dato de eleito mas não poder ser can­di­dato numa outra au­tar­quia.

*

O PCP é contra a li­mi­tação de man­datos. As­su­mimo-lo co­ra­josa e fron­tal­mente mesmo pe­rante uma cam­panha que não co­nhece re­gras, res­peito pelo rigor ou prin­cí­pios de qual­quer es­pécie. Fa­zemo-lo porque não ab­di­camos nem abrimos es­paço a pro­jectos que agora a este pre­texto, amanhã a ou­tros, visam dar passos na li­qui­dação de di­reitos de­mo­crá­ticos. Par­tido de uma só pa­lavra e uma só cara o PCP não so­ço­brará às pres­sões e ca­lú­nias, não ab­di­cará do exer­cício de di­reitos po­lí­ticos quando en­tender que isso serve a po­pu­lação e o fu­turo dos con­ce­lhos e fre­gue­sias. Aos que en­chem a boca com loas à von­tade e ve­re­dicto po­pu­lares di­zemos que não nos dei­xamos ar­rastar para a pe­ri­gosa con­cepção de tornar si­nó­nimos re­no­vação de con­fi­ança e dos man­datos com ideia de per­pe­tu­ação do poder e, so­bre­tudo, que mesmo quando as op­ções po­pu­lares não são as mais certas é no povo que fun­damos a pers­pec­tiva e a con­fi­ança de que mais tarde ou mais cedo elas se im­porão e me­lhor res­pon­derão aos in­te­resses da fre­guesia, do con­celho ou do País.



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